Santos na Libertadores (2012)

Ainda está tudo mais ou menos fresco na memória. Acabei de chegar em casa e de tomar um banho quente. Comendo um miojo, traço algumas linhas sobre o jogo de hoje.
Sai de casa com muito tempo de antecedência para ir ao estádio, muita ansiedade. Quase no Pacaembú, aquele ambiente que tem futebol no ar para ser respirado: carros e vans com chapas no porta-malas fazendo lanches de pernil com o tempero da rua, dezenas de vendedores ambulantes com seus isopores cheios de cerveja e refrigerante, e nisso um gritando “laanche!! perniiiil, hot dog, hamburguer, misto queeeeente” e o outro “comigo é três real a cerveja, latão é cinco”, penduradas às paredes do cemitério da Av. Dr. Arnaldo e também em varais na praça Charles Miller estavam bandeiras e camisetas do Santos Futebol Clube. Era dia de Libertadores. E era nesse ambiente que mais e mais santistas caminhavam.

Entramos, eu e um amigo, pelo portão principal sem maiores problemas. Arquibancada amarela. Fomos pra perto da bateria da torcida, ‘no agito’. Música, e dai um grito e palavras de ordem, depois o hino do time, o outro hino e mais músicas, e bexigas, bandeirão sobe, vem aquele cheiro que só estádio de futebol tem – que não incomoda ninguém, pelo contrário, nos faz sentir em casa – bandeirão desce, mais bexigas e mais músicas, sobem as faixas brancas e por ai foi. E os times ainda nem estavam em campo!

Quando entraram, não demorou e já começou a chuva. E ela não deu descanso, só foi parar quando eu caminhava de volta pra casa. Cada vez mais molhados, havia mais um bom motivo para pular e cantar todos gritos da torcida. Com a bola ainda antes do meio campo, todos se abraçaram meio de lado, formando um cordão, e começamos então a correr de uma lado para o outro cantando, essa foi a trilha sonora e coreografia para o primeiro gol do Santos. Nada melhor do que começar a cantar, incentivando o time, e nessa mesma jogada, ainda cantando, ver um gol. Edu Dracena, zagueiro artilheiro modelo 2012! Um a zero sob muita (muita!) chuva!

O Santos dominava todos os setores, Neymar a cada passo e jogada se adaptava melhor ao terreno quase aquático. Apesar da chuva, ou talvez por causa dela, eu vivia um dos melhores jogos que já tive o prazer de assistir no estádio. Não propriamente pelo futebol, que foi muito atrapalhado pela chuva que encharcava o campo, principalmente o do Santos que joga com bolas rápidas e muitos toques. O que mais me empolgava ali era a torcida que ignorava a chuva e não parava (assim, sem vírgula, porque parte da torcida esfriou). O time, no mesmo ritmo, vencia a chuva arriscando toques pelo alto, Ganso ensaiou um chapéu, Neymar ameaçava belos dribles e sofria repetidas faltas, cada vez mais duras, Arouca passava pelas poças de água como se jogasse em um tapete seco. Torcida e time estavam se unindo.

Torcida essa que já era uma só. Um pouco para um lado, eu esbarrava em alguém, um pouco para o outro também, e o mesmo vale para frente e para trás. Todos aglomerados como células, uma junto da outra, formando e fazendo funcionar um ser vivo. E esse ser vivo tinha voz, música, movimento…e visão para ver o Santos levar perigo no ataque sem sofrer susto nenhum na defesa.

Intervalo, mais chuva. A maioria das pessoas saiu de seus lugares para procurar um teto. Passamos um bom tempo debaixo de uma marquise no portão principal, que alias estava fechado, deixando pouco espaço com teto. Quase ninguém conseguiu se proteger da chuva. Até ali nós cantamos. Na volta, indo ao banheiro, encontramos um poço ou sei lá o que. A água no banheiro batia nos joelhos, estava tudo inundado. Não foi um problema, entramos da mesma forma.

Volta o jogo e pouquíssimo tempo depois uma parte das luzes se apaga. Chuva e frio por mais tempo, sem futebol. Não demorou muito e desci com o meu amigo de volta para o banheiro, passamos pela inundação e fomos parar perto dos mictórios. Lá, numa muretinha, ficamos em pé longe da água. Muito mais quente que o lado de fora, sem chuva nas costas, pudemos nos secar bem ou mal. Por ai, uma meia dúzia de amizades feitas com o pessoal que ia mijar, se proteger da chuva ou fumar.
E vem o primeiro grito coletivo…”Acho que voltou a luz!”…e vieram mais gritos “os jogadores devem ter voltado pro campo”. De novo na arquibancada, ficamos perto do parapeito, com milhares de torcedores às nossas costas. Sensacional!

O ritmo já tinha diminuído um pouco, tanto na torcida quanto no time, mas o clima era o mesmo. A chuva castigava os torcedores e também o jogo. O gramado encharcado e o temporal devem ter segurado uns três ou quatro gols do Santos. Paciência! Porque mesmo assim Neymar começou uma jogada que foi parar de volta nos pés dele na entrada da área: gol! Dois a zero apesar de tudo. Êxtase! Abraços encharcados e mais cantoria, mais gritos, mais pulos.

Perto do fim, já estávamos do lado do portão, vendo o jogo pela grade, só esperando o árbitro terminar a partida. Nunca saí tão rápido do Pacaembú, correndo por causa do frio e da chuva. Já o jogo, esse foi um dos mais deliciosos que eu já pude ver de perto. Principalmente pela torcida, pelas amizades instantâneas e efêmeras que se faz a cada minuto, por abraçar desconhecidos como se fossem amigos eternos, por resistir à chuva e ver o jogo até o final, sem parar de torcer, cantar e gritar. Claro, também pela vitória, que se foi por 2 x 0 no placar, está sendo sentida como um glorioso 10 x 0.

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